Uma investigação recente liderada por Bernard Wilkin, historiador dos Arquivos do Estado da Bélgica, e Arne Homann, arqueólogo e director do Museu da Cidade de Salzgitter, lançou luz sobre essa lacuna na evidência arqueológica. A pesquisa revelou um capítulo obscuro da história europeia: o comércio macabro dos ossos das guerras napoleónicas.

Em entrevista exclusiva à Science, Wilkin e Homann detalharam os achados de sua pesquisa. Inicialmente, eles explicaram como a ausência de evidências físicas das vítimas das Guerras Napoleónicas os levou a investigar registros históricos. O que descobriram foi chocante: os ossos das vítimas desses conflitos foram alvo de um comércio clandestino em larga escala.

Segundo Wilkin, a investigação começou em 2012, durante escavações realizadas em Waterloo, local da famosa batalha final de Napoleão Bonaparte. Surpreendentemente, apesar da estimativa de mais de 10.000 mortos no campo de batalha, apenas dois corpos foram encontrados durante as escavações. Isso despertou suspeitas sobre o destino dos demais corpos, levando os pesquisadores a questionar se poderiam ter sido removidos de maneira sistemática.

A pesquisa revelou que, na década de 1830, a região de Waterloo se tornou um importante centro de produção de beterraba sacarina. Com a ascensão da indústria de açúcar, os ossos humanos se tornaram uma commodity valiosa, usada no processo de filtração do açúcar. Esse aumento na demanda levou ao saque em larga escala de valas comuns em toda a Europa, não apenas em Waterloo.

Homann ressaltou que a prática de usar ossos humanos na indústria açucareira era mais disseminada do que se imaginava. “Estava acontecendo nos campos de batalha napoleónicos por toda a Europa”, afirmou. “Agora sabemos para onde foram os mortos.”

O aumento populacional e a expansão da indústria açucareira no século XIX exacerbaram a demanda por ossos humanos. O preço dos ossos disparou, tornando-os uma mercadoria lucrativa. Agricultores locais, vivendo próximos aos campos de batalha, viram nos ossos uma oportunidade de obter lucro fácil.

A pesquisa também revelou que o comércio macabro não se limitou apenas às guerras napoleónicas. Cemitérios medievais na Escócia e na Inglaterra foram saqueados e os ossos vendidos. A prática foi tão disseminada que houve propostas para proibi-la no Parlamento britânico.

Embora o comércio de ossos tenha diminuído com o tempo, evidências sugerem que persistiu até o século XX, inclusive após a Primeira Guerra Mundial. O legado dessas práticas macabras ecoa até os dias actuais, destacando a complexidade e a obscuridade da história humana.

Essa investigação não apenas lança luz sobre um capítulo sombrio da história europeia, mas também destaca a importância de proteger e preservar os sítios arqueológicos, garantindo que as vítimas do passado sejam tratadas com dignidade e respeito.

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