Uma sondagem recente da CNN revela uma mudança significativa na perceção pública sobre o consumo de álcool: metade dos adultos norte-americanos acredita agora que mesmo o consumo moderado é prejudicial à saúde — mais do dobro do registado há duas décadas.

Apesar de a maioria dos adultos nos Estados Unidos continuar a consumir bebidas alcoólicas, a preocupação com os seus efeitos na saúde tem vindo a aumentar, acompanhando o avanço das evidências científicas. Estudos recentes demonstram que mesmo pequenas quantidades de álcool podem representar riscos, contrariando a noção amplamente difundida de que o consumo moderado poderia ser benéfico.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) é categórica: “nenhum nível de consumo de álcool é seguro para a saúde”. E, nos Estados Unidos, diretrizes oficiais ainda recomendam que os homens limitem o consumo a no máximo duas doses por dia e as mulheres a uma. Contudo, essas diretrizes serão revistas este ano, impulsionadas por novos estudos e relatórios governamentais com conclusões aparentemente contraditórias.

Por um lado, um relatório das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina reforça a associação entre álcool e vários tipos de cancro, como o da mama e o colorretal. Por outro, o mesmo relatório aponta para possíveis benefícios cardiovasculares entre consumidores moderados, como menor risco de enfarte e AVC não fatal, quando comparados com abstêmios. Ainda assim, os próprios autores alertam que essas associações positivas não devem ser interpretadas como prova de benefício — sobretudo por se basearem em estudos observacionais, que não podem estabelecer relação de causa e efeito.

O cirurgião-geral dos Estados Unidos, Vivek Murthy, defendeu recentemente uma atualização dos rótulos de bebidas alcoólicas, destacando o risco de cancro associado ao álcool. Segundo ele, cerca de 100 mil casos de cancro e 20 mil mortes anuais nos EUA estão diretamente ligados ao consumo de bebidas alcoólicas — números superiores às mortes por acidentes de viação relacionados com o álcool.

A sondagem da CNN, conduzida entre 9 e 12 de janeiro, mostra que 74% dos adultos norte-americanos apoiam a proposta de incluir avisos mais claros nos rótulos das bebidas alcoólicas. A adesão é transversal a faixas etárias, géneros, grupos raciais e filiações partidárias.

Ainda que alguns estudos apontem para possíveis efeitos protetores do álcool em baixas doses, como menor risco de diabetes entre mulheres e benefícios ao sistema límbico, especialistas defendem alternativas mais seguras, como o exercício físico. “Se fosse um medicamento, e houvesse risco aumentado de cancro, ele não seria aprovado”, afirmou o cardiologista Ahmed Tawakol, do Massachusetts General Hospital.

A incerteza científica também decorre da dificuldade em definir claramente o que é “consumo moderado”, já que muitas vezes os estudos agrupam dados de indivíduos com padrões de consumo muito distintos. Para Ned Calonge, presidente do comitê responsável pelo relatório das Academias Nacionais, isso pode distorcer os resultados: “a mortalidade por todas as causas é um indicador problemático, pois mistura demasiados fatores e pode esconder vieses”.

Apesar disso, a ciência parece apontar de forma consistente para os riscos crescentes à medida que o consumo aumenta — mesmo em níveis antes considerados seguros. A epidemiologista Katherine Keyes, da Universidade de Columbia, é clara: “existem algumas condições onde se vê benefício em níveis muito baixos, mas elas são superadas pelos riscos documentados”.

Embora os americanos estejam divididos sobre se o governo deve ditar recomendações de saúde ou deixar a decisão aos indivíduos, muitos já estão a repensar seus hábitos. Cerca de 40% dos adultos afirmam não consumir álcool, e um em cada oito participou do “Dry January”, com adesão maior entre os jovens adultos.

O debate está longe de terminar. Mas a perceção pública — e a ciência — parecem caminhar na mesma direção: o consumo de álcool, mesmo moderado, pode fazer mal à saúde.