As editoras científicas tornaram-se verdadeiros impérios financeiros, movimentando biliões de dólares anualmente. O que muitos não sabem é que, por detrás da aparente missão de disseminar o conhecimento científico, existe um modelo de negócio altamente lucrativo, marcado por assinaturas exorbitantes, controlos de acesso e dependência das universidades e institutos de investigação. Actualmente, o sector é dominado por poucas editoras que, através de estratégias comerciais sofisticadas, monopolizam o conhecimento e geram lucros impressionantes.
O Modelo de Negócio das Editoras Científicas
O princípio de funcionamento das editoras científicas parece simples: investigadores submeterem os seus artigos, que são sujeitos a uma revisão por pares. Aqueles que forem aceites são publicados em revistas especializadas, que posteriormente são vendidas através de assinaturas institucionais e individuais. No entanto, a forma como este processo gera lucros elevados é mais complexa.
Para começar, os investigadores não são remunerados pelas editoras, mesmo que a sua investigação seja publicada. Em muitos casos, são os próprios autores que pagam taxas de submissão ou publicação para garantir que os seus trabalhos cheguem ao público. Já os revisores, responsáveis pela análise crítica dos artigos, também não são pagos pelas suas contribuições. Ou seja, as editoras têm acesso gratuito a conteúdos científicos de qualidade, que depois vendem com margens de lucro que, nalguns casos, podem ultrapassar os 40%.
Por outro lado, as revistas científicas mais prestigiadas são indexadas em plataformas de acesso restrito, como o Scopus ou o Web of Science, o que lhes confere ainda mais valor no mercado académico. O facto de uma revista ser indexada nestes sistemas eleva o seu “factor de impacto”, um indicador que mede a relevância científica da publicação, aumentando assim a procura por esses conteúdos. Consequentemente, universidades e centros de investigação são obrigados a pagar elevadas assinaturas para garantir que os seus investigadores tenham acesso a essas revistas.
O Domínio das Grandes Editoras
Quatro grandes editoras, conhecidas como as “Big Four”, dominam o mercado global de publicações científicas: Elsevier, Springer Nature, Taylor & Francis, e Wiley. Juntas, controlam mais de 50% de todo o conteúdo científico produzido mundialmente. Estas empresas utilizam o seu poder para negociar contratos milionários com universidades e governos, mantendo o controlo sobre a produção e distribuição do conhecimento.
A Elsevier é, sem dúvida, o maior exemplo de sucesso comercial neste sector. Em 2021, a empresa gerou cerca de 3,9 mil milhões de dólares em receitas, com lucros a rondar os 1,4 mil milhões, valores que continuam a crescer ano após ano. As universidades são uma das principais fontes de receita da Elsevier, pagando milhões em contratos de acesso às suas bases de dados. O caso da Universidade da Califórnia, que em 2019 recusou renovar um contrato de 11 milhões de dólares com a Elsevier, expôs a insustentabilidade dos preços praticados.
Além da Elsevier, a Springer Nature, que é resultado da fusão entre a Nature Publishing Group e a Springer, também gera lucros astronómicos. Com uma receita anual superior a 1,7 mil milhões de euros, a Springer Nature destaca-se por publicar algumas das revistas científicas mais prestigiadas, como a “Nature”, que é considerada uma das mais influentes no mundo académico.
A Wiley, outra das gigantes do sector, não fica atrás em termos de influência e rentabilidade. A empresa, fundada há mais de dois séculos, foca-se sobretudo nas ciências da vida e tecnologias, com uma receita anual de aproximadamente 2 mil milhões de dólares. A Wiley possui mais de 1.600 revistas científicas em diversas áreas do conhecimento e tem ampliado a sua presença através de parcerias com instituições de ensino.
Por sua vez, a Taylor & Francis, com sede no Reino Unido, é um dos maiores editores de ciências sociais e humanas, controlando mais de 2.500 revistas. A empresa teve um crescimento acelerado nas últimas décadas, atingindo receitas de cerca de 500 milhões de libras em 2021.
Impacto nas Instituições de Ensino e Investigação
A crescente concentração de poder nas mãos de poucas editoras tem gerado uma onda de críticas, sobretudo devido ao impacto nas universidades e centros de investigação, especialmente nos países em desenvolvimento. Instituições académicas em África, América Latina e Ásia têm cada vez mais dificuldades em suportar os custos associados às assinaturas destas publicações. Para estas universidades, o acesso ao conhecimento de ponta é limitado, o que perpetua as desigualdades académicas e científicas a nível mundial.
As universidades que conseguem pagar pelas assinaturas mais caras acabam por ter uma vantagem competitiva, ao passo que as instituições de ensino com menos recursos financeiros ficam para trás, o que leva a uma polarização do conhecimento. Enquanto investigadores nas melhores universidades americanas ou europeias têm acesso ilimitado às mais recentes descobertas científicas, os seus colegas em regiões menos desenvolvidas ficam reféns de sistemas de partilha informal ou de plataformas ilegais, como o Sci-Hub, que disponibiliza artigos gratuitamente, mas de forma controversa.
Movimento de Acesso Aberto
O movimento de Acesso Aberto (Open Access) tem vindo a ganhar força como resposta ao modelo tradicional das editoras científicas. Este movimento defende que os artigos científicos devem estar disponíveis gratuitamente, uma vez que muitos são financiados por fundos públicos. No entanto, editoras como a Elsevier e a Springer Nature rapidamente adoptaram modelos híbridos, em que cobram elevadas taxas de publicação aos autores para que os seus artigos sejam disponibilizados em acesso aberto.
Este novo modelo transfere o custo do consumidor para o autor, mas mantém as editoras em controlo do processo. Em alguns casos, estas taxas podem ultrapassar os 5 mil dólares por artigo, o que torna a publicação em acesso aberto proibitiva para muitos investigadores.
Ao mesmo tempo, o movimento por uma ciência mais acessível levou ao surgimento de revistas independentes, muitas delas geridas por académicos e instituições públicas, que visam quebrar o ciclo de dependência das grandes editoras. Estas iniciativas, no entanto, enfrentam dificuldades em termos de financiamento e distribuição, uma vez que as grandes plataformas de indexação, controladas pelas editoras tradicionais, continuam a ser o principal meio de medição de impacto.
Novos Desafios para o Futuro
O domínio das editoras científicas tradicionais continua a ser uma realidade, mas o crescente apelo por uma ciência mais acessível está a pressionar o sistema a mudanças. Governos, universidades e investigadores têm vindo a explorar alternativas, como a criação de repositórios de acesso aberto e o desenvolvimento de plataformas de partilha de dados. Porém, o futuro da publicação científica dependerá da capacidade da comunidade académica de se organizar em torno de um modelo mais inclusivo e democrático.
Enquanto as grandes editoras continuarem a ditar as regras do jogo, o conhecimento científico permanecerá um produto de luxo, acessível apenas a quem puder pagar o preço elevado imposto pelas assinaturas. A luta pela democratização do conhecimento continua, e será preciso mais do que boas intenções para quebrar ociclo de poder das editoras científicas.