No mundo das publicações científicas, um fenómeno curioso é o de que muitos artigos nunca são lidos por ninguém além dos autores, revisores e editores. Estima-se que cerca de 50% dos artigos publicados nas revistas científicas não sejam lidos por outros membros da comunidade científica ou pelo público em geral. Este dado reflete a dificuldade de disseminação do conhecimento, apesar da enorme quantidade de artigos publicados a cada ano.
Estudos apontam que, anualmente, são publicados cerca de 2,5 milhões de artigos científicos. Esse número está em constante crescimento, e a pressão para publicar faz com que muitos investigadores se sintam obrigados a submeter artigos com frequência, sem a garantia de que terão um impacto real na sua área de estudo. A Scientific American relata que essa produção intensa acaba por saturar as revistas científicas, dificultando a visibilidade de muitos artigos. Isso ocorre principalmente devido à alta especialização de algumas publicações, que tornam difícil para os investigadores acompanharem tudo o que é publicado na sua área.
Outro estudo publicado no Journal of the American Society for Information Science and Technology revelou que, em média, 80% dos artigos publicados em revistas de alto impacto não são lidos por mais de 10 pessoas, incluindo os próprios autores, editores e revisores. Esses dados sublinham uma grande lacuna na forma como a produção científica é consumida, uma vez que, apesar de estar disponível publicamente, o alcance dos artigos permanece limitado.
O fenómeno da baixa leitura de artigos também está relacionado com o sistema de avaliação das publicações científicas, que é focado no número de publicações e no fator de impacto das revistas. Isso incentiva a publicação em revistas com altos índices de citação, sem considerar a qualidade real ou a relevância dos artigos. Muitas vezes, o único critério de avaliação é a quantidade de artigos publicados, o que leva ao “publish or perish” — uma pressão constante para publicar, independentemente da profundidade ou do impacto do trabalho.
Para ilustrar, a revista PLOS ONE, uma das maiores e mais acessíveis publicações científicas do mundo, publicou cerca de 60 mil artigos em 2020. Apesar de ser amplamente acessada, muitos desses artigos não chegam a ser lidos, citados ou debatidos. A Nature Communications, outra revista de grande prestígio, publicou em 2020 cerca de 12 mil artigos, mas, segundo dados de várias investigações, uma grande parte deles passou despercebida para a maior parte da comunidade científica.
Por outro lado, o Google Scholar tem proporcionado uma nova forma de medir a relevância de um artigo, oferecendo dados mais detalhados sobre quem está acessando o artigo e como ele está sendo usado. Embora isso não resolva completamente o problema da baixa leitura, essas ferramentas oferecem uma forma mais precisa de mensurar o impacto dos artigos, indo além das simples citações e indicando, por exemplo, quantas vezes um artigo foi lido, visualizado ou partilhado.
O excesso de publicações científicas pode parecer uma vantagem no aumento da produção de conhecimento, mas o problema é que essa produção não está a ser eficazmente consumida. O desafio agora é reformular o sistema de publicação científica de forma que os artigos não só sejam publicados, mas também lidos e utilizados de maneira significativa. Modelos de publicação que priorizem a qualidade sobre a quantidade podem ser um caminho para garantir que as descobertas científicas cumpram o seu verdadeiro papel: difundir o conhecimento para além dos círculos académicos restritos.