Impasse eleitoral na Venezuela revela fragilidade das instituições globais e regionais na defesa da democracia e dos direitos humanos

Monica Herz, Andrea Ribeiro Hoffmann, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

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O recente resultado das eleições na Venezuela não foi uma surpresa completa. O Conselho Nacional Eleitoral anunciou no dia 29 de julho, logo após as eleições, a vitória do atual presidente Nicolás Maduro, que obteve cerca de 51% dos votos. Este resultado reflete a resistência do governo em respeitar um dos princípios fundamentais da democracia: a alternância de poder. A situação resultante é complexa e tem implicações globais e regionais, afetando também o Brasil.

A oposição, agora liderada pelo diplomata Edmundo González Urrutia após o descredenciamento de María Corina Machado, enfrenta um cenário turbulento. A posse presidencial está marcada para 10 de janeiro, mas a oposição não reconheceu o resultado e apresentou provas de supostas fraudes eleitorais.

A forma como o resultado foi anunciado e a resposta do governo aos questionamentos levanta preocupações. A repressão estatal e uma oposição mobilizada sinalizam um caminho difícil até a posse. As manifestações contra o resultado já resultaram em mortes e detenções, e Maduro acusou María Corina e González de hackear o sistema eleitoral.

 

A crise eleitoral na Venezuela destaca a fragilidade das instituições democráticas e a perda de eficácia dos mecanismos regionais e globais de promoção e proteção da democracia. O desgaste dos comitês eleitorais e dos processos de mediação é evidente. O Acordo de Barbados, firmado em outubro de 2023, não conseguiu resolver a crise.

 

O fenômeno da polarização política, que surgiu com a eleição de Hugo Chávez em 1999, continua a impactar as relações na América Latina e no Caribe. A retórica de inclusão do chavismo foi substituída por práticas autoritárias, transformando eleições em meras formalidades para legitimar a permanência no poder.

 

A reação internacional ao resultado das eleições reflete a crescente disputa geopolítica. Enquanto EUA e União Europeia não reconhecem o resultado e exigem a apresentação das atas eleitorais, China, Rússia e Irã reconheceram a vitória de Maduro, ilustrando uma divisão global e regional. Países como Cuba, Nicarágua e Bolívia apoiam Maduro, enquanto Chile, Uruguai e Costa Rica denunciam fraude. Brasil, Colômbia e México tentam mediar a situação.

 

O governo de Lula enfrenta um desafio significativo, pois a discordância sobre a Venezuela afeta a coalizão que o apoiou. O reconhecimento da vitória de Maduro pelo PT complica ainda mais a situação, embora a diplomacia brasileira esteja tentando encontrar uma solução negociada para evitar a escalada da violência e lidar com o projeto territorial de Maduro na região de Ezequibo.

A crise na Venezuela expõe a fragilidade das instituições globais e regionais no enfrentamento de questões democráticas e de direitos humanos. A necessidade de reconstruir instituições regionais robustas, como a Unasul e a União Africana, é urgente. Essas instituições poderiam ajudar a promover uma governança global eficaz e evitar que a América Latina se torne um campo de disputa entre potências como os EUA e a China.