Porque o zero demorou tanto tempo a ser inventado?

O número mais estranho da matemática e o mais difícil de aceitar

O zero está em todo o lado. Indica ausência, separa casas decimais, marca o início de cronómetros e até simboliza o nada. Mas, embora pareça banal hoje, foi um dos últimos elementos a entrar no vocabulário matemático da humanidade.

Durante milhares de anos, civilizações avançadas fizeram cálculos sem o conceito de “zero”. A sua invenção demorou séculos a ser compreendida, aceite e difundida. E não foi por falta de inteligência — foi por causa de um preconceito filosófico: como aceitar um número que significa… nada?

Porque o zero demorou tanto tempo a ser inventado?

Contar sem o zero

As primeiras formas de contagem — como o sistema egípcio, babilónico ou romano — não tinham símbolo para o zero. Eram sistemas práticos, mas limitados, especialmente quando se tratava de fazer contas mais complexas.

Por exemplo, os romanos não tinham qualquer forma de escrever o número “nada”. Não existia um “zero” entre I e I. O seu sistema não era posicional, ou seja, o valor de cada símbolo não dependia da sua posição no número — como acontece hoje.

A revolução dos sistemas posicionais

O grande avanço veio quando as culturas perceberam que a posição dos números podia representar ordens diferentes de grandeza. Mas isso exigia um marcador para “ausência”.

Por exemplo, o número 101 só é compreensível se soubermos que o “0” indica que não há dezenas. Sem esse zero, seria impossível distinguir entre 11, 101 ou 1001.

Foi na Índia, entre os séculos V e VII, que surgiu pela primeira vez o zero como número e como conceito matemático. O matemático Brahmagupta foi um dos pioneiros: propôs regras para operar com o novo número — somar, subtrair e multiplicar.

Um conceito perigoso

O zero não era apenas difícil de imaginar — era perturbador. Na filosofia grega, o nada era inconcebível. Como podia o nada ser alguma coisa? Aceita-lo exigia aceitar que o vazio também tem existência matemática.

Por isso, os gregos, romanos e até os europeus medievais resistiram à ideia. Consideravam-na perigosa, quase herética. O nada era associado ao caos, à ausência divina, ao vazio existencial.

Só no mundo islâmico medieval — que herdou os saberes da Índia — é que o zero foi valorizado, estudado e melhorado. Foi com os árabes que o zero ganhou o seu nome: ṣifr, que deu origem à palavra zero (em português) e cipher (em inglês).

A chegada à Europa

O zero só começou a ser usado na Europa por volta do século XII, graças ao matemático italiano Fibonacci, que estudou na cidade de Bugia (actual Argélia) e trouxe consigo o sistema decimal indo-arábico.

Mesmo assim, houve resistência. Durante séculos, comerciantes e universidades desconfiavam do zero. Só com o tempo — e a crescente necessidade de cálculos complexos na banca, astronomia e navegação — é que o seu uso se generalizou.

 Hoje: mais do que um número

Actualmente, o zero é um dos pilares da matemática moderna. Faz parte da álgebra, da análise, do cálculo diferencial, da informática e da física. Serve como ponto de origem em quase todos os sistemas de referência.

Mais do que um número, é um conceito abstracto: representa o nada, o nulo, a ausência, mas também o ponto de partida de tudo.

Sem o zero, não haveria computadores, algoritmos, nem GPS. O mundo moderno simplesmente não funcionaria.